sábado, 29 de outubro de 2011

DANÇA/EXECUÇÃO-sud

Assunto: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qua Maio 21, 2008 2:17 am
O curso de Bacharelado em Dança na UFRJ é basicamente centrado nos estudos da Professora Emérita Helenita Sá Earp, que desenvolveu a Teoria Fundamentos da Dança (também conhecida como SUD - Sistema Universal da Dança, seu antigo nome). Esse estudo divide didaticamente a Dança em parâmetros: Movimento, Espaço, Forma, Dinâmica e Tempo, e esses parâmetros são estudados ao longo do curso através da tríade de disciplinas Técnica - Laboratórios - Fundamentos.

Para os alunos que estão entrando e nunca ouviram falar disso, para os que estão lá há algum tempo e querem saber mais, ou para todos só a título de conhecimento, aqui vão alguns trechos da dissertação de Maria Alice Motta, Mestre em Ciência da Arte pela UFF, e professora substituta da UFRJ no biênio 2006/07.



3.1.3 Do Sistema Universal de Dança – O Início


Em 1939, militares e burocratas do Ministério da Instrução e Saúde Pública, implementam o primeiro curso superior de Educação Física do país (GUALTER, 2000) na Universidade do Brasil (1920-1965), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Naquele momento, Helenita Sá Earp, contando, então, vinte anos, é convidada para ser catedrática na cadeira de Ginástica Rítmica.


Apesar da Profª. Helenita não possuir formação strictu sensu na área da dança, sempre manifestou uma grande paixão por esta linguagem artística [...]. Porém, estabeleceu [a partir de sua própria experiência] uma série de críticas às formas de ensino e criação de dança academizada e estereotipada. Seus argumentos pautaram-se no fato de que estas comprometiam o desenvolvimento do potencial artístico e criativo inerente à capacidade do ser humano para a dança (GUALTER, 2000, p.27).


Ainda que a dança, neste momento, estivesse atrelada à Ginástica Rítmica, Helenita inicia um longo e árduo trabalho de pesquisa que posteriormente a tornaria uma disciplina autônoma e abriria caminhos para a dança dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Helenita Sá Earp inicia, portanto, há mais de sessenta anos, uma jornada em busca de novas propostas de ensino e criação para a dança.

Percebe, através de sua cátedra, que os métodos que implementavam a poética nos corpos dos dançarinos, muitas vezes, não alcançavam a plenitude da produção de sentidos. Pressente que o ato dançante necessita de uma proposta que seja ampliadora das possibilidades criativas sem desvinculá-las da técnica. “Para Earp, dançar é muito mais que manipular os movimentos; é um habitar” (LIMA, 2004, p. 67).

Estando na universidade, tem a possibilidade de trabalhar a dança como área de excelência. Debruçando-se sobre pesquisas científicas, artísticas e didáticas, compõe seu modus operandi através da interseção contínua entre teorias e práticas vivenciadas e debatidas em núcleos de experimentação que se constituíam como “laboratórios corporais, para a concepção, investigação e sedimentação das pesquisas” (GUALTER, 2000, p. 28 ).

Suas próprias palavras, num discurso da época [25] , colaboram para trazer à baila um pouco do caminho trilhado pela jovem professora:


O nosso esquema de trabalho, que vem de mais de dez anos está aos poucos se completando. Ainda há claros, pontos vagos que precisam ser preenchidos e o serão. A nossa cadeira na ENEFD, inicialmente simples ginástica rítmica, contendo formações coreográficas elementares, quase que tão somente plástica e figuras, foi se transformando gradualmente em dança educacional. (EARP, 1951).


Sua busca por fatores educacionais relevantes e coerentes com a poesia do movimento, é diretamente insuflada pelos ventos da modernidade, que se desvelam para a Dança através das idéias e práticas dos ícones da então fervilhante Dança Moderna. Tal influência, que seria vital para a composição da Teoria Fundamentos da Dança, pode ser demonstrada em suas afirmações sobre o desenvolvimento de suas atividades dentro da Ginástica Rítmica:


Anos de trabalho, de pesquisas, de colaboração de pessoas e grupos com o mesmo ideal, de intercâmbio, cultural, de meditação, sobretudo de meditação levou-nos ao movimento lírico de Isadora Duncan, ao movimento dramático de Marta Garham. Pelo seu aspecto multiforme, ritmo dinâmico, seu colorido, sua amplidão de recursos, sua identificação com o próprio ‘eu’, a dança moderna tinha de infiltrar-se no terreno educacional, assim como as demais artes plásticas. A possibilidade de o homem desrecalcar-se, desinibir-se, lançar fora os estigmas de anos e anos de superficialismo. De exprimir-se por movimentos que revelassem de fato seus impulsos, que interpretassem com exatidão suas próprias idéias e sentimentos, encontrou apoio, guarida e significação na dança moderna. (ibid).


Em relação às bases epistemológicas do balé clássico, Helenita vê a Dança Moderna como uma prática libertadora capaz de acolher harmoniosamente a expressão do movimento sem limitá-lo quantitativamente. Todavia, pressente, em suas reflexões, que toda liberdade aspirada pelo corpo em movimento não se concretizará se for impulsionada somente pelo desejo.


Ao deparar-se com a perspectiva de estabelecer pontos para a formulação de propostas de ensino, criação e treinamento da dança, percebeu que o ensino organizado do ballet era restrito em suas formas e processos pedagógicos, prejudicando os aspectos criativos, anatômicos, artísticos e filosóficos. Por outro lado, os processos pedagógicos das tendências modernas, que permitiam uma liberdade maior de movimentação, baseavam-se na repetição de séries e na improvisação sem elementos de referência, não possibilitando também, um embasamento mais consciente para o desenvolvimento da linguagem da dança. (GUALTER, 2000, p. 28 )


Entrevê, no fecundo campo da expressividade humana, a necessidade de um eixo norteador que, sendo um instrumento racional, não cristalize quantitativamente e, simultaneamente, possa potencializar a criação através das possibilidades infinitas do movimento.


A idéia de liberdade que emana na dança não significa falta de técnica. A execução dos movimentos tem que ser perfeita, embora estes sejam combinações sem limites quantitativos. Mas seja qualquer o movimento tem de haver qualidade, qualidade não se adquire repentinamente por ‘push button’. É necessário trabalho físico individual. Primeiro o domínio muscular do corpo. Para isso é mister a percepção do detalhe, é imprescindível uma gradação de dificuldades, é determinante a elaboração de um sistema de aprendizagem lógico, [grifo nosso] de complexidade crescente (EARP, 1954, p. 37).


Seu discurso evidencia que, em sua pesquisa, havia de fato uma busca incessante por uma outra proposta de embasamento educacional coerente com as novas correntes libertadoras da Dança, sem, contudo, desatrelar tais possibilidades expressivas do desempenho técnico.

Helenita, apesar das críticas à limitação do balé, reconhece que este, mesmo em suas restrições, havia se consolidado como escola de dança por se pautar numa estruturação coerente com seus princípios. Baseada nessa visão, “pretendia dar à dança moderna fundamentos que se sustentassem através dos anos” (GUALTER, 2000, p.28-29).

Entende que um dos objetivos da Universidade era a formulação de teorias e estudos que articulassem as questões entre práxis e idéia. Estando no âmbito universitário, suas pesquisas sobre o movimento, além de se pautarem nos pioneiros da dança moderna, embrenham-se em diferentes áreas do conhecimento superior daquela época, fazendo com que a estruturação de seus estudos se estabelecesse sobre bases interdisciplinares.

De forma recorrente, buscaria auxílio em outras linguagens e áreas do conhecimento (Medicina, Física, Matemática, Filosofia, entre outras) para um melhor embasamento de sua pesquisa, tornando seu Sistema interdisciplinar desde sua gênese. Como catedrática,


várias vezes [recorreu] a colegas das artes plásticas para trabalhar as noções de espaço e forma. [...] Ela buscou auxílio para construir parâmetros para a dança, tanto na medicina, quanto na física e na matemática. A construção [...] do Sistema Universal de Dança [...] deveu-se por um lado às influencias teóricas de Rudolph von Laban e de Isadora Duncan, mas se consolidou através de um longo e árduo trabalho de pesquisa multidisciplinar na universidade. (CARDOSO [26] apud EARP, 2000, p. 10).


Vê a dança como uma atividade holística que não poderia estar encerrada nas rígidas circunscrições de estilos e escolas. Desta forma, rejeita a concepção fragmentada do ensino da dança daquela época; pois, se o ser humano se compõe de aspectos físicos, mentais e emocionais, sua educação dentro da Dança deveria atender e proporcionar um crescimento simultâneo de tais aspectos.
Além do horizonte estético, em suas reflexões intelectuais, considera a dança como atividade que vai muito além do espetáculo, tendo uma função social e de ampliação do espírito humano.


A demonstração para o público deve ser considerada um resultado, que é bom não há dúvida, e nunca um fim em si. A dansa (sic) educacional não pretende formar artistas e sim libertar as qualidades do indivíduo que não podem ser arrancadas de seu íntimo por outro processo a não ser o do toque emocional. É claro que a arte deve vir ligada aos outros objetivos, uma vez que não se pode falar de dança sem pensar em estética. Digamos, porém que a arte é uma conseqüência entre muitas e não a única conseqüência. (EARP, 1945, p. 21).


Tal proposta, no desenrolar de suas pesquisas, viria a se concretizar através da formulação de um sistema no qual constariam os princípios básicos que conduzem à ação corporal. O estudo e a investigação de tais princípios, onde os aspectos técnicos e criativos fossem desenvolvidos sem dicotomias, deveriam proporcionar a totalidade do ato estético, através do gesto pleno de consciência e poesia. Helenita promove a síntese de suas pesquisas, fruto de suas inquietações intelectuais e artísticas, através da criação do Sistema Universal de Dança, hoje intitulado Teoria Fundamentos da Dança.


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Assunto: Continuação Qua Maio 21, 2008 2:19 am
3.2 DO SISTEMA UNIVERSAL À TEORIA FUNDAMENTOS DA DANÇA


A Teoria Fundamentos da Dança nasce como um corpo de proposições para a dança estruturado tal qual um sistema. Principia-se com a denominação Sistema Universal de Dança, inscrita no campo educacional. O fato é que o batismo de uma pesquisa baseia-se, em parte, sobre um chamamento que implica certa coerência entre forma e conteúdo. Destarte, que caminhos e relações proporcionaram a necessidade da mudança de nome? Quais os fatores e relações implicados na mudança para Teoria Fundamentos da Dança? Tal mudança atende a critérios coerentes?

Para um nível de compreensão mais amplo, se faz necessário a inserção da pesquisa no vasto domínio do saber, tentando perceber, ao longo da história, o quanto as relações que se formam entre conhecimento, verdade e ciência puderam influenciar a concepção do que seja um estudo profundo, lógico e objetivo para a arte, bem como apoiar sua estrutura de enunciação e acontecimento.

O desenvolvimento dos saberes comportou, por muito tempo, uma concepção determinista de mundo. Esta perspectiva determinou todo um escopo de configurações pré-estabelecidas na organização do conhecimento. Daí, que organizar um estudo, através de um corpo de proposições (ainda hoje), deve encerrar algumas peculiaridades, quer este empreendimento se concretize como doutrina, sistema, teoria ou outra estrutura qualquer. É preciso esclarecer e organizar conceitos; dar significados definidos, ainda que iniciais, e que contenham uma coerência para com os termos utilizados. Tal organização é reverberação dos liames do pensamento científico.

De forma recorrente, as áreas das Ciências Humanas estruturam seu pensamento sob a tutela da linguagem científica. Embora, em muitos aspectos, esta não alcance o nível de complexidade e particularidades exigido pelas atividades do homem, pois mantém um ranço de quantificação, muitas vezes, inadmissível, seus princípios têm sido deslocados e aproveitados (não sem causar certo desconforto) para que se estabeleçam as bases das diversas disciplinas.

A linguagem científica e seus sistemas simbólicos esquematizam dados empíricos ou formais em teorias, axiomas, enunciados, índices de avaliação, análise, probabilidade e validação; fundamentando, assim, os contextos de uma área de pesquisas, seus parâmetros e sua metodologia, suas reflexões lógicas e racionais. Sua universalidade, critério básico, implica que as proposições devem ter um grau de generalidade que explique e unifique uma grande variedade de fenômenos.

Embora a arte claramente não se encaixe neste protótipo de linguagem, é notório que as reflexões dos pensadores [27] que se dedicaram a compreender os diversos momentos da trajetória do pensamento humano, freqüentemente, abordam tanto o discurso científico, quanto as concepções intelectuais, análises e reflexões sobre a arte. Podemos perceber que, em diferentes momentos históricos, por diferentes vias e modos, os pensadores da arte empreenderam um esforço para adotar esquemas e parâmetros, referenciais que transcendessem ao dado empírico e proporcionassem a fixação de modelos ou pontos de vista. Tentativas de sistematização e categorização, que amparassem a proposição da arte como um conhecimento, aproximando-a das ciências como coisa mental; arcabouço que pudesse ser transmitido como conjunto de saberes. Tal contextualização pode ser vista nas bases das estruturas formais de diversas manifestações artísticas.


Certos princípios de simetria e de unidade do ponto de vista persistiram até hoje como uma espécie de abc de todo aprendizado sistemático da Pintura e da Arquitetura. Nos textos de Leonardo Da Vince, o elogio incondicional à Pintura [...]funda-se precisamente no caráter de ciência rigorosa, isto é, matemática, atribuído a perspectiva, ostinato rigore.
Para as artes sonoras e temporais [...] os elementos de base também são codificáveis em números. O ritmo pode ser binário, ternário, quaternário. Em números se dizem os metros, os compassos e a duração de dada figura. [...] Os intervalos entre as notas da melodia contam-se em terças, quintas, sétimas, etc. Os versos do poema são pentassílabos (redondilhos menores), heptassílabos (redondilhos maiores), decassílabos, dodecassílabos (alexandrinos), etc. Numa palavra, o espaço e o tempo, categorias universais, que preexistem a todas as artes, e de todas são a matéria primeira, recebem de cada uma delas um tratamento que jamais dispensa medida. (BOSI, 1986, p. 18 ).


Pode parecer um despropósito, mas de alguma forma, mesmo na observação das manifestações artísticas, estamos sempre à procura de regularidades estéticas que forneçam certo equilíbrio à nossa reflexão frente a um sem número de estímulos oferecidos pelo mundo – o estilo, por exemplo, é subordinado à idéia de recorrência de constantes. Mesmo em manifestações culturais de povos ancestrais ou na diversidade da cultura popular são investigados, em sua vida simbólica, certos padrões estilísticos e regularidades internas (pintura corporal, máscaras, trançados, técnicas de cerâmica, danças e cantos rituais, etc.) que se assemelham, em termos de estrutura e permanência, aos cânones formais das escolas clássicas de artes (ibid.).

Da razão grega (demarcada, principalmente, pela filosofia socrática) em diante, ao percorrermos a história da civilização ocidental, atestamos que a reflexão sobre as coisas do homem e suas relações com o mundo foram se tornando um pensamento cada vez mais rigoroso, conceitual, objetivo; caminhando em direção à confiabilidade que pudesse estabelecer parâmetros seguros que balizassem os questionamentos. Essa confiança, que até certo ponto se pretende imutável, toma para si o nome de conhecimento em oposição ao caráter ilusório do senso comum (doxa).

O conhecimento nasce do desejo do homem por algo que, saindo das questões teológicas, tão pouco palpáveis ao raciocínio, lhe oferecesse certezas mais duráveis e menos subjetivas; uma certeza que resistisse à volúpia das sensações, que pudesse ser provada e, ao mesmo tempo, debatida; um princípio que não dependesse da fé para sobreviver e orientá-lo. O conhecimento nasce do desejo do homem pela verdade.


Pois seguramente a questão [da verdade] não é nova. A palavra que a designa – alethéia – beneficia-se da mais remota antiguidade, em termos de ocidente. Mas não disse sempre a mesma coisa. Quando os gregos a que ainda chamamos pré-socráticos a usaram, provavelmente falavam do cuidado, da atenção cuidadosa ao jogo da identidade e diferença. [...] É ainda desse mesmo jogo que se alimentam os sofistas, mas segundo outras regras. E logo em seguida os metafísicos imporão a esta palavra seu próprio regimento, a lógica; e depois ela estará longamente associada ao conhecimento, a tal ponto que para nós hoje ainda seja razoável pensar no discurso quando a algum pretexto se diz o nome verdade. (AMARAL, 1995, p. 13).


O princípio da verdade se torna semelhante ao do conhecimento (quanto mais conhecimento sobre determinado assunto, mais verdadeiro o discurso). Por isso, a procura pelo conhecimento guia o homem desde o início da civilização ocidental. Nessa busca criaram-se regras e normas que passaram a configurar a realidade das coisas do/no mundo, mundo este – representado por verdades – e ao qual costumamos denominar como científico.

Esse mundo passa a contar com critérios cada vez mais claros e específicos, preocupa-se cada vez mais com os processos de validação e a adoção de metodologias (sua possibilidade operacional), que possam delimitar precisamente a fronteira entre a verdade (epistéme) e a opinião (doxa). A reflexão sobre a verdade (o conhecimento) encaminhou-se naturalmente (!) para a ciência e, simultaneamente, afastou-se das paixões do homem prosaico e de suas percepções.

A ciência se tornou a figura central da experiência ocidental. Portanto, quando se quer conhecer alguma coisa, é compreensível que, ao perguntar pelo seu “[...] fundamento verdadeiro, que este se vá encontrar do lado da ciência” (ibid.).

Quando Helenita Sá Earp deseja fornecer à dança fundamentos sólidos e objetivos, parece fazer da verdade (do conhecimento) sua força motriz, uma vez que a percebe como um caminho para o reencontro do ser humano com o seu movimento natural e total que se perdeu ao longo de sua história. Entende, portanto, que o surgimento da dança é meio de expressão “não só no sentido do belo, mas [também] da verdade” (1948, p. 19).

Em sua época, diante das revoluções científicas que fervilhavam e, principalmente por pertencer a um contexto universitário, torna-se determinante que essa iniciativa seja fundamentada pelos indicadores da ciência. Principalmente porque vê na ciência o arauto da relatividade, onde as verdades são dinâmicas. Podemos afirmá-lo através da força de suas próprias palavras:


Assim como a ciência evoluiu em seus princípios, o conceito de arte também transformou-se. Podemos dizer que [...] a tendência da arte, [...] é estar mais ligada à ciência do que antes, porque ela não se limita à representação objetiva da natureza, mas sim sua expressão subjetiva. Não é apenas a forma que interessa, mas também a idéia. Com a evolução da ciência, a arte cada vez mais se lhe aproxima. Arte e ciência, portanto caminham juntas no tempo. Não poderíamos ter atualmente um conceito rígido de arte, se a ciência nos prova, dia a dia, a relatividade das coisas, o que motiva a queda das formas rígidas, das regras antigas. Foi a ânsia na aproximação da verdade que levou o mundo atual a quebrar tabus, libertando-se cada vez mais dos preconceitos antigos, adquirindo desta forma liberdade relativa ao conceito de estética. (EARP, 2000, p.19).


Essa possibilidade de evolução, de quebra de tabus e de rompimento de fronteiras só é demonstrável, nos meios acadêmicos, através da adoção de uma linguagem metodológica. Nesse sentido, Earp considera Rudolf von Laban [28] como um grande pioneiro; pois se a dança moderna alcança um valor de pesquisa teórica e uma aplicabilidade mais ampla, é graças de seu estudo sistematizado do movimento.


O que permitiu [...] tal conceito atribuído à dansa, foi a metodologia introduzida por LABAN, no estudo da dansa moderna. Muitos outros professores contribuíram e vem contribuindo, é claro, para isto. A idéia principal, porém, de tensão e relaxamento, de ritmo dinâmico, de ‘movimento’ como substância da dansa, de preparação psicológica íntima, foi a que orientou todas as demais no terreno da pedagogia. (EARP, 1945, p.20).


De fato, muitas destas idéias já se encontram nos estudos de Delsarte [29] e são realmente a pedra fundamental que guiariam toda a dança moderna, mas este, além de nunca publicar diretamente seus estudos, era muito mais ligado ao teatro, à mímica e ao canto. Laban é tido como o primeiro a estruturar logicamente o estudo e a pesquisa do movimento, o que abriria caminhos para inúmeras outras abordagens, inclusive a de Helenita, que o acompanha no caminho de construir uma estrutura lógica para a dança através da adoção de uma linguagem científica.


Assim, considerando que o alcance social da dança, a partir do advento da modernidade, extrapolou o sentido elitizado do espetáculo, e compreendendo que uma das missões da universidade era a elaboração de teorias que atendessem às verdadeiras necessidades da práxis, a prof ª. Helenita reconheceu que, como profissional do ensino superior, lha cabia um papel fundamental na sedimentação de um estudo que articulasse todas estas questões. Além disso, a inserção da dança no contexto universitário firmava suas relações com as diferentes áreas do conhecimento – ciência, arte e filosofia – e com as novas concepções e práticas pedagógicas e artísticas, atribuindo-lhe um caráter interdisciplinar [...]. (GUALTER, 2000, p. 29).


Por isso, a concepção de Earp acerca de uma estruturação para a dança “absorveu a forma de organização e desenvolvimento da Teoria dos Sistemas” (ibid), onde “o todo é maior que a soma das partes” (DURKHEIM [30] apud ANDLER, 2005, p. 556).


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Assunto: Continuação Qua Maio 21, 2008 2:20 am
Corroborando este contexto científico, Helenita necessitava que o Sistema pudesse ser universal, porquanto deveria permitir um questionamento que abarcasse uma gama variada de eventos, que ultrapassasse as fronteiras da temporalidade, da regionalidade tanto quanto a separação da dança em estilos e escolas.

Assume, portanto, que sua estrutura lógica para a dança deve atender aos princípios da objetividade científica. Assim, o Sistema Universal de Dança é estruturado como um todo composto de partes específicas, que pode ser entendido a partir da seguinte formulação sobre a Teoria dos Sistemas:


Existem conjuntos articulados, nos quais o que acontece com o todo não provém do que são suas partes individuais, nem de sua articulação mútua – ao contrário, em que o processo, que afeta cada uma das partes desse mesmo todo é, como tal, determinado pelas leis estruturais pertencentes a ele. (DILTHEY, apud ANDLER, 2005, p. 557) [31].


Também o apóia em bases filosóficas que coadunem com a idéia de um todo constituído pela representação dinâmica de suas partes.


A base filosófica do sistema aberto para dança [...] foi inspirada na obra de Huberto Rohden que enunciou que tudo no universo está em perfeita e constante interação. A própria etimologia pressupõe a idéia de unidade na diversidade – Uni – verso – o Uno se manifestando nos diversos. Tudo possui uma essência, indivisível que faz parte de todas as manifestações. Este então passou a ser o seu desafio, a descoberta das unidades e das variações dos movimentos do corpo. (GUALTER, 2000, p. 30).


Percebe que, no sistema, as partes que compõem o todo careciam ser unidades que permitissem, a partir de sua investigação, identificar elementos variáveis, aprofundar as pesquisas e observações e, a partir daí, expandir as possibilidades, reinterpretando limites como potencialidades para extrapolação.


Após alguns estudos sobre anatomia humana [...], percebeu que estas unidades e diversidades deveriam ser decorrentes do estudo das possibilidades mecânico-motoras do corpo e, portanto, a base do SUD deveria ser o estudo do movimento. Investigou como estabelecer uma estrutura lógica, procurando os elementos que poderiam estabelecer inter-relações entre diferentes fatores do movimento. Seguindo o raciocínio científico, definiu que as unidades do sistema de dança poderiam estar organizadas em parâmetros [...]. (GUALTER, 2000, p. 30).


Os parâmetros são as unidades básicas, genéricas e fecundas e estão presentes enquanto diversificadores de toda e qualquer ação corporal. A consciência de tais unidades ou princípios e seu entrosamento – aplicados em atitudes, analíticas, técnicas e experimentais –permitiriam a investigação e descoberta de possibilidades corporais diversificadas. O que potencializaria o desvelar de infinitas formas de movimento, tanto quanto abarcaria qualquer tipo de execução, fomentando a criação em dança. Pois, “se o artista revisita a origem, pode perceber que a gênese daquela ação possui múltiplos encaminhamentos” (EARP,A.C., apud GUALTER, 2000, p. 12). É um processo de conscientização dos múltiplos caminhos do corpo dançante.

Os parâmetros, a partir da investigação dos fatores atuantes nas relações mecânico-motoras, foram definidos da seguinte forma: movimento, espaço, forma, dinâmica e tempo. Como fator fundamental para o Sistema, a noção de movimentos do corpo foi instituída como o parâmetro essencial.

Instituir movimentos do corpo como um parâmetro significa que, no sistema, não estamos falando de qualquer movimento, mas das ações de um corpo vivo, de um ser, um dançarino. Os demais parâmetros só podem ser compreendidos, dentro do SUD, a partir do lugar gerador destas diversidades: o corpo dançante. Tal colocação, além de instituir o corpo como o local onde se funda e se diversifica o processo de existência da dança, acaba por permiti-lo em sua generalidade fecunda, diferenciada e diferenciável, atestando que não nos atenhamos a um padrão físico específico para dança, mas que todos os corpos sejam acolhidos como possibilidades de transformação do movimento em arte [32].


A partir desta identificação, estes parâmetros podem estabelecer relações entre si, gerando infinitas possibilidades de combinação de formas de movimentos. Além de facilitar a compreensão destes elementos básicos e de suas variações, o estudo dos parâmetros da dança (unidades do sistema) permitem a formulação de uma ação interdisciplinar, visto que estes fatores relacionados à dança possuem interseções com outras áreas do conhecimento, principalmente com as linguagens artísticas. (GUALTER, 2000 p. 30-31).


Assim, temos que o Sistema Universal de Dança se compõe a partir das possibilidades de relações infinitas entre unidades e diversidades expressas no corpo que dança.

Tal formulação (a de sistema), ainda que esclareça como foi formada a proposição da pesquisa teórica, traz alguns impasses metodológicos; pois, quando falamos de arte ou de qualquer outro campo que não atenda aos cânones fisicalista, a questão não pode ser reduzida apenas à forma de instrumentos de caráter puramente nominalista. Faz-se necessário ressaltar que teoria e prática nunca foram reflexões em separado no SUD. Portanto, não é a pesquisa em si que possui caráter limitante e fisicalista, sendo de extrema relevância epistemológica. Também não se trata de abandonar a objetividade ou de, simplesmente, descartar a possibilidade de construção de um estudo racional sobre a dança. A pesquisa do SUD é de extrema relevância epistemológica para a dança; pois possui um princípio de construção lógico, um princípio de operacionalidade, uma capacidade de generalização fecunda, através de proposições que tem uma implicação real, mas que não subordinam essa realidade a um postulado. Ele (o sistema) é instaurado para possibilitar realidades e realizações, mas não antecipa tais realidades, nem prevê com exatidão o caminho das representações destas.

Torna-se, então, necessária a substituição de uma forma oclusiva e limitante, que trata “o ir e vir único – do todo às suas partes, e das partes ao todo – característico do modo de proceder analítico sintético” (ADLER, 2005, p. 557), por um modelo que seja menos normativo, hermético e mais adequado aos processos reais do SUD, que, não obstante sua estrutural formal, nunca operou nos moldes de um sistema tradicional. Daí a inadequação de seu batismo. Temos, a partir do contexto supra-traçado, o impulso para a mudança do nome do conjunto da pesquisa: no lugar de Sistema Universal de Dança, Teoria Fundamentos da Dança.

Na arte, tanto quanto na ciência ou na filosofia, as pesquisas e discursos atendem às condições especificas de seu acontecimento e pertencem ao movimento espiritual de cada época. Ao olharmos para as condições de existência da Dança e, conseqüentemente da criação do SUD, habitamos um sentimento que responde ao espírito da nossa atualidade, o que torna mais complexa a abordagem. Apesar disto, necessitamos desse olhar para desenvolvermos a nossa compreensão das formas e atitudes de hoje.

Entendemos que a mudança do nome da pesquisa para Teoria Fundamentos da Dança foi necessária e importante, mas entendemos também, e isso é o essencial, que ela não poderia ter tido, em sua gênese, um outro nome que carregasse tamanha coerência quanto Sistema Universal de Dança. Assim como entendemos que Isadora Duncan jamais dançaria de túnicas e pés descalços, se tivesse nascido na Europa do Séc. XVII (e, se acontecesse, talvez jamais tomássemos conhecimento do fato).

Somos dançarinos do tempo e atendemos sempre aos apelos e atravessamentos da cultura e da história.

_____________________________________

Notas de rodapé:

[25] Discurso de agradecimento por ocasião da inauguração do novo ginásio de Ginástica Rítmica da Escola Nacional de Educação Física e Desportos, na Universidade do Brasil, em 1954.

[26] Prefácio do livro in EARP, Helenita de Sá. As atividades Rítmicas educacionais segundo nossa orientação na ENEFD. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2000.

[27] Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Spinoza, Hegel, Kant, Heidegger, Foucault, Deleuze, entre outros.

[28] Teórico da dança e coreodramaturgista, o trabalho de Rudolf Von Laban pautava-se pela busca dos ritmos naturais do corpo, que expressariam os estados mentais e emocionais das pessoas e libertariam a dança das cadências da música. Por isso, seus trabalhos têm um sentido amplamente humanista, esperançoso e celebratório, mas também extremamente racional e profundamente reflexivo. Laban desenvolveu dentro de sua pesquisa um sistema de notação de movimentos, a "labanotação", e investigou os princípios do movimento para encontrar um meio de organizar e analisá-los.

[29] François Delsarte (1811-1871), francês, considerado um pioneiro, um dos principais precursores da dança moderna, influenciou nomes como Isadora Duncan, Kurt Jooss e Mary Wigman, principalmente por sua repercussão na Europa e nos Estados Unidos. Os estudos de François Delsarte surgiram da necessidade de aliar o conhecimento da linguagem do corpo com a linguagem da alma, proporcionando uma investigação sistemática dos traços e suas diversas variações de emoções como medo, o amor, a cólera, a tristeza. Estudou a relação entre a voz, o movimento, a expressão e a emoção do ser humano. Através de suas pesquisas percebeu que a expressão humana é composta basicamente pela tensão e o relaxamento dos músculos (contration and release) e que para cada emoção existe uma correspondência corporal específica. Posteriormente esse princípio foi a base da técnica de uma das mais famosas bailarinas modernas, Marta Grahm. As leituras corporais realizadas por Delsarte, combinavam diversos princípios que depois foram utilizados por Rudolf Laban, para a criação da metodologia labaniana, como as relações de peso, espaço, tempo, volume, velocidade do movimento. “Inicialmente ator, consagrou a sua vida à observação e classificação das leis que regem o uso do corpo humano como meio de expressão. Delsarte nunca se interessou pela dança [...]” (GARAUDY, 1980, p. 79).

[30] DURKENHEIN, Emilé. Les règles de la méthode sociologique. Pairs:1895. p. 102. “Um todo não é idêntico à soma de suas partes, ele é algo diferente, cujas propriedades diferem daquelas apresentadas pelas partes de que é composto.” DURKENHEIN, Emilé. Les règles de la méthode sociologique. Pairs:1895.p. 102.

[31] DILTHEY, Wilhelm. Oeuvres III, L’édification du monde historique dans lês sciences de l’espirit. (1910, tradução francesa de S. Mesure). Paris: Éditions du Cerf, 1988 .

[32] “Dança é a capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte” (EARP, 2000, p. 3).


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Assunto: Continuação Qui Maio 22, 2008 5:16 pm
5.2.1 Dos Pontos Fundamentais de Execução


Quando a técnica é proposta por uma teoria que não se baseia em modelos de movimento pré-estabelecidos para a dança não há como determinar previamente uma única forma de aplicação para todos os movimentos. O fato de o movimento poético ser tratado como forma de um conhecimento com possibilidade de aprendizado requer que dele se tenha um mínimo de entendimento. Estas duas sentenças poderiam se mostrar excludentes; pois, para adquirir um conhecimento, é necessário que sobre ele já haja indicações suficientes para sua apreensão; da mesma forma, a TFD afirma que não se podem formatar todas as possibilidades de movimentos – que são da ordem do infinito; entretanto, assevera que para o entendimento e a aquisição de habilidades em relações ao conhecer deste movimento, para sua perfeita execução tanto quanto para sua transmissão, são necessárias referencias básicas desta execução e entendimento.

Para a TFD, as combinações dos movimentos são ilimitadas; portanto, o movimento per se não pode ser classificado normativamente através de regras e batismos aleatórios externos a ele, que dão conta de determinadas formas, mas não de outras.


Cada movimento do corpo pode ser executado de forma que leve o indivíduo a estar em dança. Partindo de conhecimentos sobre os movimentos básicos do corpo, suas combinações variantes fornecidas pelos parâmetros diversificadores da ação corporal, chegamos à conclusão de que são infinitas as possibilidades e, para cada uma delas há um ponto de execução. Não há como decorar todas e por isso trabalha-se com princípios e variações. [...] Isso gera um conhecimento que não se estanca nunca; a cada novo movimento ensinado (ou criado) [...] surge uma nova descoberta. (PEIXOTO, 2002, p. 11).


Os princípios de cada movimento devem ser discernidos a partir dele mesmo, em seu dando-se. Isso significa que, a cada possibilidade, novas formas de leitura, análise e compreensão são estabelecidas. É certo que as regras desse estabelecimento podem e devem variar de um estudo para o outro e, se em outras pesquisas a coerência estética entre nome e procedimento poderá tranquilamente indispor de uma ligação lógico-formal, isto já não procede nos termos da TFD.


De acordo com Helenita, o balé oferece pontos de apoio e por isso tem transmissão fácil e se perpetua; sem pontos de apoio, não há transmissão nem perpetuação para qualquer trabalho corporal em dança. Helenita formulou para seus estudos pontos de apoio abrangentes, que atingissem a universalidade dos movimentos do corpo humano, em suas diferentes combinações. Não há como determinar uma forma de aplicação para todos os princípios que regem a ação corporal na dança, mas pode-se organizar a base para que um trabalho coerente seja realizado. (ibid).


Tal base, na TFD, é denominada pontos fundamentais de execução e pretende substituir uma formatação apriorística, porém fornecendo o apoio necessário para o discernimento e a aprimoração dos saberes do corpo.

Os pontos fundamentais da execução, como a própria denominação já antecipa, determinam que, a partir das referências cinéticas básicas, apontadas na elaboração do movimento, o dançarino descubra, cinestesicamente, referenciado em sua própria execução, quais os pontos fundamentais sobre os quais deverá se ater para aprimorar sua execução. Possuem uma ação profilática para a execução do movimento.

O trabalho de aquisição das habilidades envolve um corpo integral e dinâmico em todos os seus aspectos (físico, mental e emocional), referenciado e experienciado no próprio corpo, em busca de caminhos, pontos fundamentais à execução do movimento, de modo singularizado. Ao buscar tais pontos ou princípios, a partir de atitudes analíticas e experimentais, permite-se que, através de atitudes corporais diversificadas, sejam desveladas outras possibilidades de criação do movimento. Além disso, a execução vai sendo aprimorada a partir de citações que podem até ser indicadas externamente, mas que, em sua concretude, não podem ser outras senão as do corpo do próprio dançarino. É um processo de Conscientização Corporal pela corporificação da consciência. (corpo-consciência e consciência-corpo).


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Assunto: Re: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qui Maio 22, 2008 5:19 pm
5.2.2 Da Tríade Fundamentos, Técnica e Laboratórios


Para corroborar a proposição mosaical de corpo, é necessária uma ação constitutiva que abarque todas as faces desta complexidade num amplexo que não valorize apenas alguns aspectos em detrimento de outros. Nesse sentido, a Teoria confia a uma tríade de ações a responsabilidade pedagógica pela abrangência de tais aspectos da complexidade formativa. São elas: os fundamentos, as técnicas e os laboratórios. A apresentação dessas ações no plural se faz em concordância à sua atuação dentro de pólos temáticos geminais (os parâmetros), “que se conformam através de uma interpenetração orgânica [...] gerando competências múltiplas dentro de um mesmo enfoque temático” (EARP, A.C., op.cit). Assim, a partir de uma mesma temática, são suscitadas tanto reflexões sobre os fundamentos de um parâmetro, quanto laboratórios vivenciais sob o enfoque desse mesmo parâmetro, bem como técnica – na acepção de aquisição de valências físicas – dos aspectos pregnantes de tal parâmetro sobre a ação corporal.

Nos fundamentos, o enfoque é dado ao entendimento teórico dos princípios de um parâmetro. Princípios estes que deverão ser levantados e questionados a partir de diferentes áreas do saber, determinando uma compreensão abrangente destes princípios a partir de uma visão que é sempre constituída por diferentes aspectos e vias de informação. A componente teórica da informação, embora seja o elemento enfocado com maior intensidade, deverá sempre aludir à sua aplicação e compreensão pelo corpo mosaico.

Nas técnicas, o enfoque é dado à ampliação do repertório de habilidades físicas por meio da aplicação dos princípios motores ligados ao parâmetro em questão – através das valências físicas –, bem como à entrada para a compreensão corporal de esquemas rizomáticos do movimento, baseados na noção de fluidez dos conteúdos que se estabelecem no corpo mosaico. Revisitando as origens dos conteúdos por meio do trabalho físico, o dançarino poderá estabelecer múltiplas relações destes princípios a partir do questionamento e investimento em seu próprio corpo, ampliando sua capacidade de performance e pesquisa.

Nos laboratórios, como a próprio termo já nos remete, o foco está voltado para as experimentações e análises dos princípios, suscitados a partir do atravessamento dos aspectos teóricos e técnicos referentes àquele parâmetro. Os laboratórios podem ser analíticos-relacionais, onde um conteúdo é delimitado para que se experimente o máximo de variações possíveis a uma dada situação e, posteriormente sejam tiradas conclusões acerca da experimentação, bem como sua relação com outras situações; de improvisação, onde os conteúdos delimitados podem ser experimentados por uma via mais sintética (a da intuição); e de roteirização coreográfica, onde se pode elencar determinados princípios de um parâmetro para a criação e desenvolvimento de propostas com um tema determinado anteriormente.

Para poder lidar com as questões referenciais da dança através de relações livres e abertas, a TFD precisou abarcar, em sua práxis, noções de competência que organizassem a acepção do mover poético, em sua complexidade dinâmica, sem que esta ação se tornasse unilateral frente à complexidade do corpo mosaico. Esta organização, ainda que de cunho didático, proporciona a ampliação da compreensão do gesto em todas as suas faces: da concretude material à mais ampla potência abstrata; da ação direcionada e analítica à ação mais intuitiva; da imagética imaterial à sua mais concreta realidade corpórea; da mente intelectual à singularidade da experiência emocional; do dado mais empírico ao mais apriorístico. Todas estas noções devem estar presentes, de modo equilibrado, no processo de construção do conhecimento artístico e, nesse aspecto, a abordagem da TFD é exemplar e coerente com seus princípios.


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Assunto: Re: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qui Maio 22, 2008 5:28 pm
5.3.1 Do Estudo do Parâmetro Movimento


No estudo do parâmetro movimento, segundo os referenciais da TFD, a ação é ressaltada e entendida em profundidade de acordo com determinados aspectos: possibilidades anatômicas, estados do movimento, relações de temporalidade, relações quanto à forma, quanto à localização, quanto ao modo de ser executado, dentre outros.

Quanto às possibilidades anatômicas básicas obtemos:

Translação – movimento caracterizado pelo deslocamento entre dois pontos; pode acontecer a partir de um segmento articular ou do corpo como um todo.
Rotação – movimento caracterizado pelo deslocamento de um segmento em torno de um eixo fixo que o atravessa longitudinalmente.

Os movimentos de translação são distinguidos anatomicamente de acordo com características peculiares à sua execução. Na TFD, recebem acepção diferenciada de acordo com a relação entre as partes e corpo como um todo. Na primeira relação, recebem a denominação de movimentos segmentares; e, na segunda, enquanto agrupamentos de movimentos característicos do corpo como um todo são denominadas como famílias da dança.

Os movimentos segmentares comportam os movimentos articulares das partes do corpo e compreendem “as possibilidades articulares da cabeça (incluindo aí, movimentos da articulação mandibular e movimentos expressivos – musculares – da face), da cintura escapular, da coluna (e seus segmentos – cervical, torácico, lombar, sacro e coccígeo; os dois últimos associam movimentos da cintura pélvica), do tronco (a coluna em bloco, incluindo cintura pélvica), da cintura pélvica (quadris, frequentemente associados a movimentos da coluna, com a qual se articulam), dos membros superiores (e seus segmentos – braço, antebraço, punho, dedos) e dos membros inferiores (e seus segmentos – coxa, perna, tornozelo, dedos)” (TOZETTO, 2006, p. 1-2).

Conforme Tozetto (ibid, p. 2), de acordo com a classificação anatômica, os movimentos segmentares se dividem nas seguintes atitudes:

1. Flexão: aproximação de dois segmentos articulados entre si, alterando a angulação entre eles. Pode ser anterior (para frente), posterior (para trás), lateral (para os lados);
2. Extensão: afastamento de dois segmentos articulados entre si;
3. Adução: aproximação, no plano frontal, de um segmento da linha média do corpo;
4. Abdução: afastamento, no plano frontal, de um segmento da linha média do corpo;
5. Propulsão: deslocamento do segmento para frente, provocado por deslizamento entre as articulações;
6. Retropulsão: deslocamento do segmento para trás, provocado por deslizamento entre as articulações;
7. Lateralidade: deslocamento do segmento para o lado, provocado por deslizamento entre as articulações;
8. Circundução: execução em seqüência dos movimentos de flexão anterior, lateral e posterior, completando uma volta de 360º, ou de propulsão, lateralidade e retropulsão, perfazendo uma trajetória circular no plano horizontal.
9. Elevação e depressão: movimentos específicos da cintura escapular, provocado pela rotação das escápulas;
10. Supinação e pronação: movimentos específicos dos antebraços, gerado pela rotação do rádio sobre a ulna;
11. Anteversão e Retroversão: movimentos específicos dos quadris, também conhecidos como báscula. Consistem na inclinação da cintura pélvica para frente ou para trás;
12. Inversão e Eversão: movimentos específicos do tornozelo. São combinações simultâneas de flexão lateral com rotação, voltando a planta do pé interna ou externamente;
13. Oposição: movimento específico do polegar, aproximando-o do centro da palma da mão.

Os movimentos de rotação e translação do corpo como um todo são agrupados de acordo com aspectos específicos, recebendo, na Teoria Fundamentos da Dança, uma denominação especial: são as famílias da dança.

A denominação família surgiu de uma analogia, desenvolvida por Earp, a partir de uma investigação das bases da Biologia, onde os seres vivos, ainda que pertencentes a diferentes gêneros, são classificados dentro de uma mesma família, por agruparem determinadas características comuns. Por exemplo, a onça, o leão e o gato pertencem a gêneros diferentes, mas fazem parte de uma mesma família – os felinos. Assim, temos que as famílias da dança reúnem movimentos do corpo global que possuem características semelhantes. Tais semelhanças são agrupadas em seis diferentes famílias: transferência, locomoção, volta, salto, queda e elevação.

A família transferência agrupa movimentos que caracterizam a mudança na distribuição do peso do corpo como um todo, de uma parte à outra.
A família locomoção agrupa movimentos que caracterizam o deslocamento do corpo como um todo, no espaço.
A família volta agrupa movimentos que caracterizam rotações do corpo como um todo, no espaço.
A família salto agrupa movimentos que caracterizam a perda do contato do corpo como um todo, em relação ao solo, gerados por um impulso em direção inversa à atuação da gravidade.
A família queda agrupa movimentos que caracterizam a mudança da base de apoio do corpo como um todo, no sentido favorável ao da atuação da força gravitacional.
A família elevação agrupa movimentos que caracterizam a mudança da base de apoio do corpo como um todo, no sentido contrário ao da atuação da força gravitacional.

Os movimentos podem assumir características diferenciadas, no que concerne às suas possibilidades de acontecimento, por variações enfocadas a partir do próprio parâmetro ou em afinidade aos demais parâmetros.
A partir do próprio parâmetro movimento, temos:

A) Combinações

Os movimentos básicos, descritos no item anterior, podem acontecer isolados ou combinados com partes iguais ou diferentes.

B) Contatos

Possibilidades de contato das partes do corpo entre si (partes iguais ou distintas), com o outro, com o meio externo. As diversas possibilidades de contato podem enriquecer o aporte da criação, além de auxiliar no desenvolvimento do trabalho físico.

C) Apoios

Transferência do peso corporal para a parte na qual se estabeleceu um contato. Os apoios podem gerar alavancas para o trabalho físico e contribuir para a criação.

A partir da relação do movimento em afinidade ao parâmetro dinâmica temos os estados do movimento:

D) Estado Potencial

No estado potencial, o movimento se encontra latente e ativo por todo o corpo, porém não é percebido visualmente, dando a impressão de estar “parado”. É “incessante na vida celular, nas constantes transformações orgânicas, nas vísceras, na troca energética entre o corpo e o meio, no ato mental. É o movimento de algo que está vivo e se mostra vivo, independente de uma manifestação ostensiva” (ibid, p.1). É o movimento de contração muscular isométrica ou estática.

E) Estado Liberado

Deslocamento dos segmentos do corpo ou do corpo global em relação a um referencial externo ao corpo. No movimento liberado, acontece uma relação entre contrações concêntricas e excêntricas, denominadas fisiologicamente como contrações isotônicas.
A partir das possibilidades de combinação do movimento em sua afinidade com parâmetro tempo temos duas formas de acontecimento temporal:

F) Modo sucessivo

Quando dois ou mais movimentos, de partes iguais ou diferentes, acontecem em sucessividade, ou seja, um posterior ao outro.

G) Modo Simultâneo

Quando dois ou mais movimentos, de partes iguais ou diferentes, acontecem simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo.
A partir de referenciais do parâmetro movimento, relacionados ao parâmetro forma, obtém-se as seguintes possibilidades variacionais:

H) Simetrias

Correspondência de localização, de formas, trajetórias, de atitudes e rotações entre dois ou mais movimentos, considerados os segmentos bilaterais (membros inferiores e superiores e suas partes constituintes).

I) Assimetrias

Não correspondência entre os aspectos ressaltados no item anterior entre dois ou mais movimentos considerados os segmentos bilatérias (membros inferiores e superiores e suas partes constituintes).

J) Amplitude

Na relação com o parâmetro espaço, quando os contatos se constituem em pontos de apoio para o corpo como um todo, estabelecendo uma tendência à estabilidade de sua massa corporal em relação ao ambiente que lhe serve de apoio, são delimitadas diferentes localizações destes apoios em relação às suas bases, que são denominadas bases de apoio do corpo. Ainda segundo Tozetto (ibid), estas se dividem em:

- Base de pé: peso do corpo distribuído entre os pés ou concentrado em um deles;
- Base de joelhos: apoio de ambos os joelhos ou de um deles;
- Base sentada: apoio dos quadris (cintura pélvica);
- Base deitada: apoio do tronco, nos decúbitos dorsal, ventral ou lateral;
- Base invertida: apoio da cabeça, dos membros superiores ou da parte superior do tronco (cintura escapular);
- Base suspensa: quando o corpo fica suspenso no ar (pendurado em uma corda, por exemplo);
- Base combinada: quando o apoio se distribui por duas ou mais partes surge uma base combinada, que pode ser: base combinada de joelho(s) e mão(s), base combinada de mão(s) e pé(s), base combinada de joelho, mão(s) e pé, base combinada de quadris e pé(s), base combinada de quadris e mão(s), dentre outras.


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Assunto: Re: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qui Maio 22, 2008 7:39 pm
5.3.2 Do Estudo do Parâmetro Espaço

No estudo dos parâmetros espaço, segundo os referenciais da TFD, a ação é ressaltada e entendida em profundidade de acordo com os seguintes aspectos variacionais: localização espacial (do corpo), direção (do movimento), sentido (do movimento), nível (do corpo e das partes em movimento), trajetória (do corpo e das partes em movimento) e eixo (do corpo).

Quanto às referências anatômicas do corpo/segmento no espaço:

Planos – referenciais da realidade tridimensional do corpo e do ambiente. São definidos do seguinte modo:

Plano Frontal: projeção lateral do vetor vertical, formando a noção de superfície dimensional. Informa a face anterior e posterior de um dado referencial, quer seja este o corpo, um segmento ou o ambiente.
Plano Sagital: projeção antero-posterior do vetor vertical, formando a noção de profundidade dimensional. Informa as faces laterais de um dado referencial, quer seja este o corpo, um segmento ou o ambiente.
Plano Horizontal: projeção perpendicular ao vetor vertical, formando superfícies paralelas ao solo. Informa as faces superior e inferior de um dado referencial, quer seja este o corpo, um segmento ou o ambiente.
Plano Intermediário: combinação entre os planos anteriores.

Obs.: A verticalidade é uma referencia vetorial para a posição anatômica (ereta) perpendicular ao plano do horizonte (solo) e indica mais um direção que um plano propriamente




Ilustração criada por TOZETTO na reformulação da apostila Teoria Fundamentos da Dança (2006, p.4).

Quanto à inscrição direcional do movimento no espaço:

Direção – linhas ao longo da qual se projeta a inscrição de um movimento. São definidas numa relação direta com os planos espaciais:
- Látero-lateral : o movimento se inscreve no plano frontal;
- Ântero-posterior: o movimento se inscreve no plano sagital;
- Longitudinal ou crânio-caudal: o movimento se inscreve na verticalidade;
- Intermediária: o movimento se inscreve nos planos intermediários.

Quanto à orientação vetorial do movimento no espaço, temos:

Sentidos – vetores; segmentos de reta orientados, no qual se distinguem a origem e a extremidade (o início e o fim) dos movimentos dos segmentos ou do corpo global, dentro de uma direção.
- Da esquerda para a direita ou vice-versa: movimentos que ocorrem na direção látero-lateral em relação a um dado referencial.
- Do anterior para o posterior e vice-versa: movimentos que ocorrem na direção antero-posterior em relação a um dado referencial.
- De cima para baixo ou vice-versa: movimentos que ocorrem na direção longitudinal em relação a um dado referencial.




Quanto à localização vertical do segmento/corpo global de acordo com um dado referencial, temos:

Níveis – diretrizes que orientam e verificam a horizontalidade do corpo/movimento em relação à sua inscrição no plano vertical (altura). Os níveis se estabelecem em relação aos graus de elevação e depressão a uma dada referência.

Quanto à relação do caminho descrito pelo movimento/corpo global no espaço apresenta-se:

Trajetórias – via descrita pelo movimento do segmento/corpo global no espaço.

As trajetórias podem ser: definidas, quando possuem um traçado visual bastante demarcado, como no caso das trajetórias retas curvas, sinuosas e angulares de um segmento/corpo; ou indefinidas, quando são trajetórias pouco demarcadas em sua visualidade, como no movimentos vibratórios e nas deformações.

Quanto à relação ao posicionamento/deslocamento do segmento/corpo sob a ação gravitacional, temos:

Eixo – linha ideal que atravessa o centro de massa de um segmento/corpo global (na direção longitudinal) durante o movimento, relacionada à força gravitacional que age sobre a movimentação. Estabelece princípios de equilíbrio (equidade posicional das tensões verticais em relação às forças perpendiculares exercidas sobre o movimento no ato de seu exercício) ou desequilíbrio (não-equidade posicional dessas mesmas tensões, fazendo com que um determinado movimento ou o corpo como um todo sejam deslocados em direção ao ponto no qual se exerce uma menor resistência).

Em relação ao ambiente e objetos, pode-se ainda utilizar as noções espaciais geométricas para configurar trajetórias/disposições de dançarinos ou grupos, ampliando as noções de profundidade, aproximação e afastamento, entre outras. “As relações espaciais entre indivíduos criam diálogos coletivos, em jogos e transformações coreográficas. Cada indivíduo é uma parte do corpo-grupo, criando a cena-mosaico.”(LIMA, 2004, p.85).

Espaço Cênico Ilustrativo



O dançarino tem, ainda, uma área circundante de alcance máximo dos seus movimentos nas relações entre o centro do corpo e extremidades periféricas, denominada como cinesfera [60].




_____________________________________

Notas de rodapé:

[60] Este conceito é desenvolvido sistematicamente por Rudolf Von Laban e acolhido como possibilidade de estudo dentro do parâmetro espaço na Teoria Fundamentos da Dança. Para maiores esclarecimentos sobre o Sistema Laban ver: LABAN, Rudolf von Domínio do movimento. 3 ed. São Paulo: Summus. 1978; MARTINS, Marina. Sistema Laban, um modo de pensar e sentir a vida. In: Encontro Laban 2002. Rio de Janeiro, 01 a 04 de agosto de 2002; MIRANDA, Regina. O movimento expressivo. Rio de Janeiro: MEC/ FUNARTE, 1979; FERNANDES, Ciane. O corpo em movimento: o sistema Laban/ Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. São Paulo: Annablume, 2002.


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Assunto: Re: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qui Maio 22, 2008 7:49 pm
5.3.3 Do Estudo do Parâmetro Forma


O estudo do parâmetro forma está absolutamente ligado ao parâmetro espaço. Descreveremos, abaixo, os referenciais de definição e delimitação do estudo da forma, já ressalvada a sua implicação com o estudo do espaço.

Neste parâmetro, poderemos verificar as seguintes delimitações de aspectos concernentes ao estudo da forma: posições, linhas geométricas e topológicas, angulações, amplitudes.

Os movimentos dos membros inferiores são delimitados pela articulação do quadril (formada pela cabeça do fêmur com o acetábulo) e têm muito menos liberdade de movimento que a articulação do ombro. Por conta desta limitação, foi possível determinar um número limitado de combinações dos membros inferiores em relação aos planos espaciais, originando formas relativas a estas combinações, que são denominadas (as formas) posições dos membros inferiores. O princípio de estabelecimento das posições segue as leis de possibilidades anatômicas deste segmento corporal. Assim, coerentemente, não há a determinação de formas para os membros superiores, uma vez que a articulação do ombro tem uma liberdade de ação muito ampla e não seria correto, dentro dos referenciais da TFD, encerrar as infinitas possibilidades posicionais dos membros superiores em um número reduzido de formas.

As posições são definidas de acordo com a aproximação e o afastamento dos membros inferiores, na base de pé, em relação aos planos anatômicos. As posições podem ser puras ou mistas. Nas primeiras, os planos são delimitados e bastante definidos; nas segundas, há o cruzamento de planos. As posições puras são:

- Primeira posição: união dos membros inferiores (principalmente, o segmento da coxa). Caracteriza a união de todos os planos num único ponto a partir da inscrição vertical;
- Segunda posição: afastamento dos membros inferiores no plano frontal;
- Quarta posição: afastamento dos membros inferiores no plano sagital;

As posições mistas, que detêm o cruzamento de planos, são:

- Sétima posição: afastamento dos membros inferiores no plano intermediário;
- Oitava posição: afastamento com o cruzamento dos membros inferiores no plano intermediário;
- Sexta posição: cruzamento dos membros inferiores, mantendo a aproximação destes;
- Quinta posição: aproximação e cruzamento dos membros inferiores, com contato do calcanhar de um pé com os dedos do outro – para muitos dançarinos, não é possível com rotação interna;
- Terceira posição: mesmo princípio da quinta posição, entretanto, demarcada pelo grau diferenciado de contato entre os membros inferiores (o contato do calcanhar avança somente até a metade da extensão do outro pé). É muito utilizada no processo de progressão técnica.

De acordo com o tipo de apoio, as posições dividem-se em posições básicas – que mantêm o apoio bilateral, mesmo quando ocorre a variação do terceiro segmento dos membros inferiores (pé) e estes se flexionam no que se convencionou chamar de meia-ponta (quando o apoio é deslocado para os metatarsos) – e em posições iniciais, que mantêm o apoio unilateral.

É importante observar que, para a delimitação das posições, o movimento dos membros inferiores deverá acontecer tendo o referencial dos quadris sempre voltado para o plano frontal do corpo, uma vez que, se o quadril muda o referencial espacial, a posição se descaracteriza. Por exemplo, na sétima posição, se o quadril também se volta para o plano intermediário, a posição se transforma em segunda posição voltada para o plano intermediário.

Ressaltamos, ainda, que a alteração de determinados aspectos das posições puras, também as transformam em combinações; em alguns casos até em outras posições (é o caso da primeira, quando, por exemplo, alteramos a atitude estendida para flexionada ou quando combinamos esta flexão com a retirada em inicial).

Dentro dos princípios da TFD, de acordo com os desenhos descritos pelos movimentos dos segmentos e/ou do corpo global, as formas podem assumir dois diferentes princípios denominados como linhas. As linhas remetem ao princípio das formas geométricas e podem ser euclidianas (comumente chamadas geométricas) e topológicas – por seguirem aos princípios descritos por cada um destas geometrias. Acedem, ainda, sobre alguns princípios da interpretação e percepção tais como intensidade, espacialidade, textura, peso e ritmo (tempo).

As linhas nunca podem, de fato, ser repetidas. A duplicação se toma sempre a instauração de uma outra forma. Deste modo, os gestos são irreprodutíveis, pois o indivíduo ao duplicar cria uma outra forma, principalmente quando ela é experimentada na imersão das suas raízes e impulsos imagéticos, tornando-se movimento nascente. Ao se repetir qualquer componente na composição visual, este não é a mesma coisa mais uma vez.

As linhas geométricas podem ser:

- Curvas: permitem a idéia de prolongamento circular entre os segmentos. São mais bem reproduzidas pelas partes do corpo com maior numero de segmentos ou maior amplitude articular, como a coluna ou os membros superiores. Visualmente, linhas curvas costumam transmitir suavidade, continuidade, pelo modo como permitem a fluência das forças (dão a idéia de movimentos cíclicos);
- Angulares: são linhas quebradas, onde fica evidenciada o local da articulação entre os segmentos. Podem dar a idéia de leitura fragmentada, uma vez que a segmentação da parte é extremamente visível;
- Retas: formas longilíneas. Permitem a idéia de prolongamento vetorial e direcionam o olhar, frequentemente denotando força, intensidade, velocidade;
- Mistas: quando as linhas anteriores são combinadas, simultaneamente, em diferentes segmentos.

Obs.: As linhas sinuosas são combinações entre linhas curvas em diferentes sentidos.

A morfologia e a capacidade articular dos ossos dos segmentos corporais definem, em grande parte, o tipo de forma que cada segmento poderá inscrever. Assim, por exemplo, não podemos obter linhas curvas nos membros inferiores e; por outro lado, os movimentos das articulações vertebrais favorecem o movimento de linhas curvas pelo somatório da amplitude de cada conjunto de vértebras constituintes; mas, se mantivermos as articulações potencializadas, apesar da curvatura natural da coluna, o movimento do tronco denota uma linha reta.

As linhas topológicas atendem ao princípio desta geometria; portanto, dissolvem a idéia de exatidão das formas retas, curvas, ou angulares, proporcionando a deformação dessas formas.


Uma deformação sempre produz a impressão de que foi aplicado ao objeto [no presente caso, à forma] algum impulso ou atração mecânicas, como se ele tivesse sido esticado ou comprimido, torcido [amassado] ou dobrado. Em outra palavras, a configuração do objeto (ou parte do objeto) como um todo sofreu uma mudança em sua estrutura espacial. (ARNHEIM, 1980, p248).


O próprio contorno do corpo traz, em si, o princípio topológico de entradas, reentrâncias, sinuosidades, diferenciadas pelos volumes que compõem cada contorno dos segmentos corporais e do corpo como um todo. Elas “são realizadas pela combinação de pequenos segmentos de linhas geométricas, mas que no conjunto não se distinguem” (TOZETTO, 2006, p. 6).

A transformação de linhas geométricas em geométricas, geométricas em topológicas e vice-versa amplia a capacidade analítica das formas, o trabalho técnico e a criação de movimentos. Normalmente, parte-se progressivamente do estudo das formas geométricas para as topológicas devido ao uso mais comum das primeiras na cotidianidade do dançarino. Também por serem mais facilmente assimiladas as noções de transformação, a partir de algo (as formas geométricas) que se encontra mais claramente definido e estável visualmente. Entretanto, esta progressão é apenas uma indicação, não devendo ser tomada como regra, pois os caminhos de desvelamento das formas somente são traçados no ato de formar.

Quanto ao tamanho das formas, estas se definem em graus de amplitude, estabelecendo relações entre expansão e recolhimento, além de definir noções de longe e perto, pequenas e grandes formas gestuais.

Outra noção estudada neste parâmetro é a noção de angulações ou ângulos da forma. Visto que o movimento articular imprime angulações aos movimentos, torna-se necessária a definição clara deste aspecto, pois sua variação, além de expressiva, altera o trabalho físico e varia a gradação das dificuldades de um exercício.


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Assunto: Re: A Dança na UFRJ - Teoria Fundamentos da Dança, o início Qui Maio 22, 2008 8:06 pm
5.3.4 Do Estudo do Parâmetro Dinâmica


A dinâmica é um princípio norteador a toda expressividade dos movimentos, revelando as potencialidades das forças existenciais manifestas no ato dançante. Depreende a qualidade do gesto. Compreende a “[...] capacidade de agir, dinamicamente, numa materialidade própria a cada variação energética do corpo em movimento e a seus inúmeros estágios intermediários, bem como, entre os pólos máximos de tonicidade aos da mais fina leveza” (LIMA, 2004, p. 86).

No estudo do parâmetro dinâmica, são compreendidas a aplicação da força muscular, a ampliação e manutenção do fluxo da energia circulante e a intenção investida no movimento, através dos seguintes aspectos: ligação do movimento, intensidade, entradas e passagens da força, acentos, impulsos, relações de peso. As características de aplicação da força/energia agrupadas em determinados conjuntos constitui o que é denominado como modos de execução dos movimentos, que configuram um outro fator delimitante do estudo variacional da força, determinando características qualitativas da execução dos movimentos.

A ligação do movimento é o princípio integrador da ação corporal. Compreende a “força ligante [que] colabora para dar ao ser dançante, meios de se penetrar e se integrar consigo mesmo e com seu espaço de entorno através do movimento [...]” (ibid).

A intensidade é a gradação da aplicação da energia convertida em força. Seu estudo proporciona uma sintonia fina da ação muscular, ocasionando os mais diversos tons de contração nos segmentos/corpo, podendo variar do suave ao fortíssimo.

As entradas da força localizam o segmento (ou a parte deste) no qual o movimento liberado tem o seu início. Consistem em evidenciar (evidência esta, que pode ser visível à percepção externa ou apenas do ponto de vista interno do dançarino – sua consciência gestual) a parte (articular ou muscular) onde se dá a origem do movimento, denominada como raiz do movimento.

A passagem da força informa sobre a transferência (o caminho) da aplicação da força de um segmento a outro, que pode estar próximo ou distante, determinando o fluxo da energia em um movimento. De acordo com sua alternância entre os estados potenciais e liberados (aplicados ao movimento como possibilidades variantes), podem ocorrer contínua ou descontinuamente. A descontinuidade da passagem da força não quer dizer que o fluxo de energia seja cessado, uma vez que no estado potencial é de extrema importância a manutenção da energia circulante. O que muda são os extratos de aplicação da força, pois nas descontinuidades são as relações de resistência e tensão muscular, imprimidas pelo próprio dançarino, que impedem a liberação do movimento em trajetória e fazem com que a passagem (caminho, via) seja interrompida, mas não o fluxo energético.

Os acentos são relevos pontuados das entradas e passagens da força. Como a própria denominação já sugere, são acentuações expressivas, valorização momentânea que destacam uma parte em relação às outras. Os acentos podem variar em torno da velocidade e da intensidade aplicada, alterando uma medida uniforme e controlada da aplicação da força que é rapidamente retomada no curso dos movimentos.

Os impulsos são variações repentinas da intensidade aplicada no percurso/origem dos movimentos. Os impulsos ampliam rapidamente a gradação da força, retirando-a de uma constância anterior, definindo picos de força, que projetam o segmento/parte no espaço. O percurso (início, meio e finalização) de um movimento impulsionado atende diretamente à relação da força aplicada inicialmente, ou seja, uma vez aplicado o impulso o movimento segue até o esgotamento daquela força inicial. São divididos em pequenos impulsos, definidos pelos impulsos atuantes nos pequenos segmentos, e grandes impulsos, atuantes em grandes segmentos. A relação de graduação da aplicação da força, nesses casos, está diametralmente ligada à tensão necessária para vencer, repentinamente, a resistência e o peso de cada parte; entretanto, essa é uma relação que poderá variar de acordo com cada situação.

O peso se traduz pela relação entre a massa corporal e a lei da gravidade. No estudo da dinâmica, são analisadas e compreendidas as relações decorrentes da manipulação dos movimentos dos segmentos e/ou do corpo global e a força aplicada para resistir à ação da gravidade ou ceder a ela, instaurando jogos de perda e recuperação da força.

Os modos de execução do movimento compreendem linhagens da aplicação da força, evidenciando a maneira pela qual o movimento se efetiva. Delimitam características qualitativas do modo de ser da concretude gestual. Delimitam, também, uma visualidade espacial específica. Dividem-se em dois grupos básicos, os conduzidos e os impulsionados. O primeiro grupo se subdividem em conduzidos, ondulantes e pendulares; e o segundo, em balanceados, lançados e percutidos.

Abaixo, uma sucinta descrição dos modos de execução (observar que as imagens ilustram princípios de analogia aos modos de execução).

Nos movimentos do grupo conduzido, dividem-se em:

- Modo conduzido: movimentos caracterizados pela passagem da força, de modo contínuo, sem variações graduais repentinas da força e com um controle bastante uniforme desta nuance;




- Modo ondulante: movimentos executados pela passagem da força onde as relações de contração e relaxamento do movimento se alternam entre as partes de um segmento, numa sucessão direta, obedecendo a essa ordem, de modo que sejam descritas curvaturas ascendentes e descendentes, ligadas numa continuidade. Requer um controle bastante coordenado dessas contrações.




- Modo pendular: são movimentos que têm como diferencial a manutenção da força em trajetórias constantes por manterem um ponto articular central como eixo do movimento, que exerce uma força de tração em oposição à força gravitacional. Em tese, a composição destas forças se mantém pelo princípio da inércia; entretanto, sabemos que a resistência do ar, também é um fator (uma força) atuante. Portanto, o movimento pendular, na dança, denota muito mais um princípio de visualidade e constância na aplicação da força do que um princípio científico da física.




Nos movimentos do grupo impulsionado dividem-se em:

- Modo lançado: são movimentos iniciados por uma força explosiva que projeta o segmento no espaço em velocidade relativa à força originante; tem sua finalização (considerando, isoladamente, a curva de acontecimento do movimento) sem que haja a retenção da força que o impulsionou. O retorno desses movimentos é feito ou pela ação gravitacional, ou pela recuperação da força através de um outro modo de execução.




- Modo balanceado: são movimentos onde a parte impulsionada (ou o corpo como um todo) é projetada no espaço até seu ápice (relativo à força originante do impulso), retornando pela ação da gravidade, quando, então, a força deste movimento gravitacional descendente (de retorno) é recuperado (pela mesma parte ou por outra) num novo impulso, gerando a imagem de um balanço. Os movimentos balanceados têm, necessariamente, três fases distintas: projeção, pelo impulso inicial; retorno, pela gravidade; e retomada (da força), pela projeção de um novo impulso.




 Pontos de inserção da força/recuperação (impulso) do movimento
 Trajetória descrita após o impulso inicial.

- Modo percutido: são movimentos executados através da contração rápida e intensa do segmento/parte (pela musculatura de explosão), de modo que haja a potencialização rápida do movimento em curso.




- Modo vibratório: são movimentos isométricos realizados a partir de relações de alternância da tonicidade muscular que trafegam dialeticamente entre a ação de liberar o movimento e a ação de contê-lo. Tais movimentos são executados através de picos de contrações que causam uma oscilação pulsante e muito rápida fazendo o segmento/parte vibrar (tremer) durante determinada ação.

Ainda no parâmetro dinâmica, é inserido o estudo do caráter, inferido a partir da categorização dos modos de execução do movimento em modalidades estéticas (tons expressivos). Tal delimitação é bastante controversa, uma vez que se baseia na interpretação de uma possível denotação expressiva através de imagens pré-concebidas culturalmente e/ou a partir de juízos subjetivos. O caráter é didaticamente delimitado a partir de categorias expressivas, divididas em dramático, jocoso, místico, sensual.

Faz-se necessária, neste momento, uma crítica ao conteúdo denominado como caráter dentro da TFD. Segundo a denominação vocabular, caráter é o conjunto de qualidades (boas ou más) que distinguem alguma coisa. No caso da dança, a denominação de caráter se faz mais coerente quando dedicada ao conjunto de uma obra e, ainda assim, esta coerência demanda uma série de padrões estéticos, normas e regras estilísticas preconizadas. Quando falamos de caráter advindo dos modos de execução, isso denota uma formatação que adere a referenciais que são muito mais históricos e culturais que originados no próprio conjunto de movimentos. Um bom exemplo nos dá a música; pois aquilo que, muitas vezes, é visto e classificado como dissonante para a cultura ocidental, pode se revelar como a mais pura projeção de harmonia no oriente. A delimitação expressiva de um movimento, seguindo os próprios referenciais da TFD, não poderia jamais estar atrelada somente ao seu modo de execução, pois o caráter que se estabelece num dado movimento/obra dançada atende a uma miríade de conjunções, como, por exemplo, a intenção impressa pelo dançarino, pelo roteiro da proposta, pela estilização formal, pelos cenários, figurinos, iluminação, ambiente escolhido, dentre outros. Isso não quer dizer que a utilização do termo caráter seja completamente errônea. Partindo-se de uma proposta qualquer, pode-se produzir um determinado caráter para a compleição de um horizonte de sentido que acompanhe/componha a compreensão da seqüência/obra coreográfica. E, nesse sentido, determinados modos de execução poderão atender melhor as demandas da obra.

O que está sendo, aqui, relativizado é a ordem dos fatores: um caráter até poderá ser impresso pela escolha de modos de execução mais adequados à proposta, porém esta adequação advém de escolhas que atendem a juízos de valor (formados por toda uma conjuntura) e não dos tons expressivos suscitados por estes modos de execução como fatores originantes do caráter. Para finalizar, entendemos que a questão do caráter é uma tentativa de aproximação da dança com determinadas categorias vindas dos gêneros da linguagem teatral (tais como: drama, comédia, tragédia, entre outros).
Afirmamos que, nesse sentido, é interessante a compreensão do caráter como traço distintivo de um fragmento/obra na dança e que os modos de execução poderão auxiliar a impingir, num dado contexto, tais características; contudo, estes contextos deverão sempre ser relativizados e os modos de execução nunca atrelados fixamente a determinado caráter.

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